Canal Principal

A profundidade média do canal do rio Amazonas varia aproximadamente entre 15 e 40 metros. A presença de ilhas e a intensa sedimentação nas várzeas dividem frequentemente o rio Amazonas em vários canais e, devido a isto, sua largura é muito reduzida para uma média de 2 a 3 km. As restingas naturais que margeiam o rio principal são alagadas apenas no pico das enchentes, mas as extensas áreas de várzea que se localizam após a estas permanecem ligadas ao rio por um ou mais canais que cortam as restingas.

As principais pescarias realizadas nos canais dos rios Amazônicos dependem das espécies migradoras que podem ser divididas em dois grupos principais. As espécies migradoras de longa distância que possuem um alto valor comercial incluem todos os bagres da família Pimelodidae. Há também algumas espécies da família Doradidae que realizam migrações de longa distância. Essas espécies migram do estuário do Amazonas para o sopé dos Andes ou para as cabeceiras dos rios Purus, Juruá e talvez ao rio Branco, na bacia do rio Negro. A distância mais longa que essas espécies migram subindo o rio é de pelo menos 5.000 km. As espécies migradoras de longa distância são mais abundantes em rios de água branca. O segundo grupo é das espécies migradoras da planície que migram anualmente entre 100 a 500 km através do eixo principal de grandes rios e vários de seus tributários.

 

Com a exceção do estuário, a pesca de bagres nos canais dos rios era pouco relevante antes dos anos 1970, pois havia o tabu de comer esses peixes. No entanto a imigração de pessoas de outras regiões e a urbanização têm contribuído com a drástica redução dos tabus alimentares existentes e os bagres passaram a ser intensamente explotados após a chegada de frigoríficos ainda nos anos 70. Porto Velho, no Estado de Rondônia no Brasil, e Letícia, na Colômbia, foram as primeiras cidades a comprar grandes quantidades de bagres capturados nos rios da Amazônia. Porto Velho já dispunha nesta época de rodovias que a ligavam com o sul do Brasil, permitindo a exportação de bagres congelados por caminhão. O pescado desembarcado em Leticia era, e ainda é, transportado de avião para Bogotá. Os bagres também começaram a ser consumidos localmente com mais frequência por imigrantes brasileiros provenientes da região sul, que se mudaram para Rondônia e não tinham preconceitos contra o seu consumo. Atualmente, os bagres migradores são explotados pelas frotas de Belém, Santarém, Manaus e Tefé, no Brasil; Letícia, na Colômbia e Iquitos, Yurimaguas e Pucallpa, no Peru. Dourada e piramutaba são as duas espécies mais importantes capturadas nos canais dos rios.

As migrações de bagres em canais de rios são detectadas por pescadores experientes que conseguem interpretar as sutis ondulações deixadas pela piramutaba ou dourada, quando estas nadam próxima à superfície. As redes à deriva são o principal apetrecho usado para capturar estes bagres enquanto migram nos canais dos rios, ao passo que o espinhel é o apetrecho comumente empregado para capturar outras espécies de bagres, como piraíba e jaú. As redes são mantidas na profundidade desejada adicionando ou removendo chumbadas ou boias nas linhas que as sustentam. Estas redes podem flutuar rio abaixo por algumas horas, podendo cobrir uma distância de 10 km, embora o mais comum seja manter a rede na água menos tempo. O tempo e a distância dependem da densidade dos obstáculos no fundo do rio, como árvores submersas, que podem se emaranhar na rede. Além disso, as redes precisam ser recolhidas regularmente, pois botos e pequenos e bagres vorazes chamados de candiru, das famílias Cetopsidae e Trichomycteridae, atacam os peixes emalhados nas redes, podendo retalhá-los em apenas alguns minutos.

As redes de cerco também são usadas em locais próximos às praias para pescar os bagres quando migram nos canais dos rios. Esse método é muito utilizado pelos pescadores de Manaus. A rede empregada é diferente das redes de cerco utilizadas comumente na pesca de peixes menores, sendo o tamanho da malha maior, a linha mais espessa e a altura de 45 metros ou mais. As redes de cerco usadas para capturar peixes menores medem não mais do que 25 metros de altura. Quando a piramutaba está subindo o rio, os pescadores de rede de cerco localizam as praias submersas por onde os cardumes irão passar. As redes de cerco, de 300 a 500 metros, são estendidas o mais perpendicularmente possível à praia. Quando o cardume estiver passando sobre a praia, a rede é fechada e arrastada para a margem. Esse método pode capturar até 30 toneladas de piramutaba em apenas um lance, o que é suficiente para encher a urna de um barco.

Anzóis são utilizados em espinhéis ou linha de mão. Os espinhéis consistem de uma linha de 100 a 300 metros em que são presas linhas com 2 a 5 metros onde ficam os anzóis. A linha de mão é geralmente equipada com apenas um anzol e o pescador precisa estar presente para capturar o peixe, enquanto os espinhéis podem ser deixados no local e o pescador pode verificá-los periodicamente.

As iscas usadas nessas pescarias variam de região para região. Os gobídeos são frequentemente usados no estuário e os pescadores da Amazônia Central usam vários tipos de caracídeos, como matrinchã (Brycon) e jaraqui (Semaprochilodus), que além de serem importantes espécies comerciais são conhecidas como as melhores iscas. Os espinhéis usados nos canais dos rios são atados a uma árvore, arbusto ou tronco na margem do rio ou a um objeto flutuante, como madeira, isopor ou recipientes de plástico. As duas opções necessitam do uso de um peso (poita) para ancorar no fundo do rio a ponta do cabo em que os anzóis estão fixados. O espinhel lançado na parte funda do rio leva de quatro a sete anzóis, mas quando é estirado ao longo da praia comporta uma quantidade maior de anzóis. Os anzóis são suspensos em linhas curtas de 0,5 a 3 metros de comprimento. Os pescadores colocam as iscas nos anzóis um pouco antes do pôr-do-sol e os verificam ao nascer do dia. O bagre fisgado pelo anzol permanece relativamente calmo até ser puxado pelo pescador. Os pescadores sabem que o peixe tentará virar e escapar quando estiver próximo à superfície e se preparam para este momento perigoso. O pescador pode se ferir com os outros anzóis já içados se o peixe tiver força para puxar o cabo. Se um anzol fisgar acidentalmente a mão do pescador, um bagre grande fisgado, ou mesmo mais de um, poderá puxá-lo para a água e afogá-lo. Os grandes bagres, juntamente com o boto e o tucuxi, são os principais predadores de peixes nos canais dos rios amazônicos. Existem pelo menos 14 espécies de grandes bagres (>50 cm) na bacia amazônica que podem ser considerados predadores e a maioria delas é migradora e pertence aos gêneros Brachyplatystoma ou Pseudoplatystoma.

As espécies Brachyplatystoma são capturadas nos principais rios da bacia amazônica, do estuário ao sopé dos Andes, e também nos grandes rios de água clara que drenam os escudos do Brasil e da Guiana. A maior espécie é a piraíba (B. filamentosum). Recentemente foi descrita outra espécie de Brachyplatystoma muito semelhante à esta, mas ainda não está claro o tamanho que esta pode atingir. A dourada (B. rousseauxii) e a piramutaba (B. vaillantii) são as principais espécies comerciais de bagres na pesca nos canais dos rios. A pesca de dourada é mais difusa que a de piramutaba, sendo esta última concentrada na Amazônia Central e estuário. A distribuição do babão (B. platynemum) nos rios de água branca e estuário é semelhante à da dourada e, como ela, é intensamente explotada em grande extensão da bacia amazônica. Outras espécies de Brachyplatystoma capturadas em canais de rios são o flamengo (B. juruense) e a dourada zebra (B. merodontotus).

O jaú (Zungaro zungaro) é geralmente capturado com espinhéis em canais profundos ou em cachoeiras com grandes tarrafas. As espécies coroatá (Platynematichthys notatus), peixe-lenha (Sorubimichthys planiceps) e piracatinga (Calophysus macropterus) são ocasionalmente encontradas em grandes cardumes subindo o rio, mas o conhecimento sobre a biologia de sua migração é limitado.

Existem pelo menos duas espécies de gênero Pseudoplatystoma que são comumente capturadas nos canais dos rios, além de serem capturadas nos lagos de várzea. O surubim (P. fasciatum) e o caparari (P. tigrinum) são geralmente capturados próximos às margens, como em praia e à noite. As duas espécies são normalmente combinadas e descritas como surubim nas estatísticas de pesqueiras. A pirarara (Phractocephalus hemiliopterus) é uma espécie omnívora de grande porte, que na cheia se alimenta principalmente de frutas nas florestas alagadas. Esta espécie pode ser comum nos canais dos rios durante a seca.

O nosso conhecimento sobre as migrações de bagres nos canais de rios é baseado em dados de estatística pesqueira e na pesca experimental de três espécies que migram entre o estuário e a região oeste do Amazonas, no sopé dos Andes. A dourada e babão migram para o sopé dos Andes para desovar e suas larvas e juvenis descem o rio para o estuário, que é o seu berçário. Peixes adultos dessas espécies não retornam ao estuário. Por outro lado, a piramutaba também sobe o rio para desovar na região oeste do rio Amazonas, mas os reprodutores e seus filhos descem o rio ao estuário. As áreas exatas de desova da piramutaba no oeste do rio Amazonas ainda não são conhecidas e esses peixes parecem não alcançar os Andes.

As espécies dourada e babão iniciam sua migração a partir do estuário aos dois anos de idade e provavelmente demoram dois anos para alcançar os Andes antes de desovarem. Elas usam os canais dos rios da Amazônia central como áreas de alimentação, onde predam peixes migradores, como os caracídeos, e várias outras espécies não-migradoras. Os bagres migradores deixam o estuário para iniciar sua migração no rio Amazonas nos meses de maio ou junho, quando a salinidade da baía de Marajó e da costa leste da ilha de Marajó aumenta. Este período coincide com a migração de muitas espécies de peixes que saem das várzeas para os canais dos rios. Os bagres predadores são ecologicamente sintonizados com o deslocamento dessas populações de peixes. Grandes cardumes de piramutaba são capturados em agosto e setembro nas proximidades de Santarém, baixo Amazonas, a 880 km a montante, em setembro nas proximidades de Manaus, Amazônia central, a 1.700 km a montante, e em outubro, nas proximidades de Leticia, 3.300 km a montante. A dourada é importante comercialmente desde a região do estuário ao sopé dos Andes, mas ao contrário da piramutaba, é mais explotada no rio do que no estuário. Grandes cardumes de dourada são encontrados no baixo Amazonas entre os meses de agosto e outubro. As capturas de dourada em Leticia, na Colômbia, são relativamente altas durante todo o ano devido à permanência de grandes populações de peixes adultos. O babão parece ser relativamente mais raro em comparação à dourada e piramutaba, embora também migre longas distâncias desde o estuário e é capturado ao mesmo tempo que a dourada quando está subindo o rio.

A confluência do rio Madeira com o rio Amazonas é um trecho importante, pois divide os cardumes de peixes que estão subindo o rio. Os fatores que influenciam se os cardumes continuarão a subir pelo rio Amazonas ou se entrarão no rio Madeira ainda são desconhecidos. As estatísticas pesqueiras mostram claramente que os cardumes de dourada sobem os dois rios durante quase todos os anos, quando não todos os anos. O retorno aos rios de origem, ou ao lar onde nasceram, pode ser uma possibilidade. Por outro lado, as estatísticas pesqueiras indicam que os cardumes de piramutaba comumente sobem o rio Amazonas e não o Madeira. Contudo, é interessante observar que grandes cardumes de piramutaba migram pelo rio Madeira até a Cachoeira de Teotônio, um pouco acima de Porto Velho, durante os anos em que o seu nível está muito baixo e sua água mais transparente. Historicamente, os cardumes de piramutaba eram explotados no rio Madeira a mais ou menos a cada cinco anos, o que correspondia aos períodos em que o rio secava mais do que a média.

Os caracídeos são peixes que pertencem à ordem dos Characiformes, contém escamas e forman o grupo de peixes mais diverso da Amazônia. Pelo menos 30 espécies de caracídeos que são consumidos pela população da Amazônia são espécies migradoras. Esses realizam as migrações mais espetaculares da Amazônia em termos de quantidade de peixes. Os cardumes de algumas espécies provavelmente ultrapassam 100.000 peixes. Os cardumes de caracídeos migradores mais evidentes em canais de rios são os formados por espécies detritívoras e frugívoras.

Os detritívoros da família Prochilodontidae, especialmente o curimatã (Prochilodus), mas também o jaraqui (Semaprochilodus), da bacia amazônica, são as espécies de peixes para consumo mais abundantes da América do Sul. Os peixes que se alimentam de frutas e sementes na Amazônia, como o tambaqui (Colossoma macropomum), pirapitinga (Piaractus brachypomum) e várias espécies de Brycon, como o matrinchã (B. amazonicus), também migram em grandes cardumes. A pirapitinga também foi sobre-explotada e atualmente os grandes cardumes são pouco comuns.

Os caracídeos migram pelos rios com dois objetivos principais: desovar e dispersar. A desova ocorre desde o início das enchentes até um pouco após o pico das enchentes. Cada espécie tem a sua época programada para desovar com relação ao nível da enchente. Em geral, os detritívoros desovam primeiro. As migrações para dispersão ocorrem um pouco após o pico das enchentes anuais e vai até a época em que os níveis dos rios começam a baixar rapidamente, no início da seca. Os cardumes migram de um tributário de água clara ou preta para um outro a montante. A migração no período de seca, quando muitas espécies estão subindo os rios de água branca, é conhecido como piracema. Após este período, os cardumes descem os tributários de água clara ou preta para desovar nos rios de água branca. Depois da desova, eles migram para se alimentar nas florestas alagadas dos tributários de água clara ou preta ou na várzea do rio principal de água branca. Ainda não se sabe ao certo se os cardumes retornam para o mesmo tributário ou para a mesma várzea dos rios de água branca de onde partiram para desovar, mas os pescadores em geral acreditam que sim. Os ovos e larvas são carreados rio abaixo e a população é compensada pela migração de dispersão rio acima, realizada por várias espécies.

As migrações de jaraqui que ocorrem no rio Negro podem ser usadas para ilustrar a complexidade das migrações de caracídeos que envolvem vários tributários além do rio principal. Grandes cardumes de jaraqui com gordura estocada no corpo, chamado de peixe gordo, iniciam em maio ou junho a sua descida no rio Negro, quando o nível do rio ainda está alto. Quando esses peixes chegam no rio Solimões, eles migram rio acima até alcançarem um outro tributário de água preta, como o rio Coari. Embora o rio já esteja secando, os peixes sobem estes tributários em busca de florestas que ainda estejam alagadas para se alimentar.

Os peixes pré-adultos que sobem o rio Amazonas e alcançam e sobem o rio Negro em julho ou agosto, permanecem neste até o início da enchente em dezembro ou janeiro. Os cardumes que sobem o rio Negro nesta época se agrupam e descem até a foz para desovar na confluência com o rio Solimões ou Amazonas. Os pescadores usam redes de cerco para capturar os cardumes migradores durante o seu percurso. Os caracídeos migradores ficam muito vulneráveis às redes de pesca quando estão migrando nos canais dos rios. Os pescadores podem esperar na foz dos tributários de água clara e preta, como os da margem direita dos rios Madeira ou Negro, para capturar os cardumes quando esses estão entrando ou deixando os tributários.

O curimatã não é encontrado em rios de água preta, sendo na Amazônia central, próximo à Manaus, restritos principalmente às áreas de várzea dos rios de água branca, onde se alimentam de detritos. Quando a água começa a subir, o curimatã migra apenas alguns quilômetros para chegar aos rios, onde desovam. Durante o período de seca, no entanto, eles realizam longas migrações rio acima até entrarem em uma outra área de várzea. O curimatã também habita rios de água clara, como os tributários da margem direita do rio Madeira e do rio Tapajós. As suas migrações para dentro e fora dos tributários de água clara são semelhantes às descritas para o jaraqui no rio Negro. Outras espécies que realizam migrações semelhantes são matrinchã (Brycon amazonicus), pacu (Mylossoma), sardinha (Triportheus), aracu (Leporinus), orana (Hemiodus) e vários outros gêneros. Cada uma dessas espécies apresenta diferenças na época de migração e na preferência por habitats. O tambaqui é a maior espécie de caracídeo da bacia amazônica e migra em rios de água branca, clara e preta, realizando migrações semelhantes às descritas acima.

Uma diferença importante, no entanto, é que o tambaqui adulto permanece no canal do rio durante a seca. Neste período, o tambaqui sobrevive principalmente das suas reservas de gordura, acumuladas na enchente anterior quando se alimentava de frutas e sementes na floresta alagada. Quando se encontram nos canais dos rios, os adultos são muito vulneráveis às redes de cerco e redes de emalhar, utilizadas pelos pescadores para capturá-los enquanto migram ou quando buscam proteção nas pauzadas. As pauzadas são trecho da margem do rio onde galhos e troncos se acumulam e onde o tambaqui permanece quando não estão subindo o rio.

 

 


 

CONTEXTO

Cataratas
Canal Principal
Planície de inundação ou várzea
Baías de foz de rio
Estuário e a Costa Amazônica
Os Andes
Marajó e delta interno