Diálogo de Saberes em Brasília: rumo a uma governança pesqueira mais justa na Amazônia

Diálogo de Saberes em Brasília: rumo a uma governança pesqueira mais justa na Amazônia
fevereiro 14, 2025 Gabriela Merizalderubio

Pescadoras, pescadores, técnicos e autoridades debatem desafios e propostas para o futuro da governança pesqueira na região.

 

Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Diálogo de Saberes Brasília 2025. Fotografía: © Sofía Lazarte / WCS

De 3 a 6 de fevereiro de 2025, foi realizado o quinto “Diálogo de Saberes: Práticas para o Avanço do Manejo Participativo da Pesca na Amazônia Brasileira”, um espaço de intercâmbio com mais de 50 participantes, entre pescadores e pescadoras, técnicos e gestores de organizações socioambientais e representantes governamentais, para compartilhar experiências e inspirar caminhos para boas práticas pesqueiras na Amazônia.

Os objetivos foram identificar iniciativas de manejo participativo, dialogar sobre os desafios e oportunidades no monitoramento e gestão pesqueira, além de promover a articulação entre pescadores e autoridades pesqueiras, visando propor ações que fortaleçam a governança pesqueira na Amazônia.

Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Fotografía: © Sofía Lazarte / WCS

Como resultado deste espaço, foi elaborada a Carta de Brasília, um documento que reúne as principais demandas e propostas de pescadores e pescadoras da Amazônia Brasileira, com o objetivo de servir como ferramenta de incidência junto às autoridades, destacando a necessidade de fortalecer políticas públicas que valorizem e beneficiem as comunidades pesqueiras amazônicas.

A Carta de Brasília ressalta a importância de fortalecer políticas públicas que reconheçam os pescadores e pescadoras, ampliando seu acesso a incentivos como os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e a Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Biodiversidade (PGPM-Bio). Propõe descentralizar e agilizar o Registro Geral da Pesca (RGP) para evitar exclusões, especialmente de comunidades indígenas. No que diz respeito ao monitoramento e fiscalização, sugere reforçar a segurança territorial, a vigilância comunitária e a descentralização dos Comitês de Pesca e Gestão (CPGs). Por fim, diante da crise climática, alerta que as secas severas reduziram a captura, impactando gravemente as comunidades pesqueiras, tornando urgente a inclusão da pesca no Plano Clima, a antecipação de autorizações de pesca do pirarucu e o estabelecimento de mecanismos de apoio em situações de emergência. Uma comitiva de pescadores e representantes de organizações da Aliança Águas Amazônicas entregou a Carta, ao final do encontro, ao Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e a dois representantes do Senado.

Leia o documento completo da Carta de Brasília aqui.

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Entrega da Carta de Brasília ás autoridades. Fotografía: © Ministério da Pesca, asesoría de comunicación / WCS

Durante este quinto Diálogo de Saberes, foram realizadas mesas de trabalho para discutir desafios comuns, apresentações sobre experiências bem-sucedidas em boas práticas pesqueiras e debates sobre os desafios futuros na governança da pesca. Além disso, houve uma mesa-redonda e painéis com gestores, cientistas, autoridades pesqueiras governamentais e instituições da sociedade civil organizada.

Esse espaço possibilitou o diálogo entre pescadores e pescadoras e representantes de diversas instituições, incluindo o MPA e o MMA do Brasil, pesquisadores de universidades federais e representantes de associações e coletivos ligados à pesca, como o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) e o Coletivo do Pirarucu.

Os depoimentos de pescadores, pescadoras e representantes de organizações socioambientais refletem a necessidade de ações concretas para enfrentar os desafios da pesca na Bacia Amazônica.

Levo muito aprendizado, como experiência, a questão da diversidade dos territórios. Temos algo em comum, que é a luta pelos nossos direitos e a valorização da nossa atividade pesqueira. A intenção de criar a Carta de Brasília é mostrar nossas dificuldades e em que precisamos do apoio deles em nossa caminhada“, comentou Clessiane Souza da Silva, pescadora do estado do Amazonas.

Pedro Canízio Oliveira da Silva, pescador e manejador de pirarucu, destacou: “Para mim, tem uma grande importância termos nos reunido, levar a carta às autoridades, ao Ministério da Pesca, ao MMA e ao Senado. Isso reforça o que estamos buscando: políticas públicas para os pescadores e apoio diante das mudanças climáticas que estamos sofrendo, para que as autoridades saibam o que está acontecendo conosco e encontrem formas de nos ajudar“.

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Ana Claúdia Torres do Instituto Mamirauá. Fotografía: © Sofía Lazarte / WCS

Da mesma forma, Ana Cláudia Torres, representante do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, enfatizou: “É fundamental que essas discussões sobre emergências climáticas, políticas públicas e a necessidade de monitoramento, fiscalização e controle permaneçam na agenda das plenárias, permitindo fortalecer o debate e os movimentos de base que dependem da pesca para sua sobrevivência“.

Este quinto diálogo foi uma co-realização da Aliança Águas Amazônicas, WCS e Ecoporé, com o apoio da Fundação Gordon e Betty Moore, The Nature Conservancy, o Centro de Trabalho Indigenista e o Instituto Juruá.
Com este evento, encerra-se um ciclo de diálogos voltados para identificar experiências de manejo pesqueiro sustentável e dar voz a líderes comunitários que atuam na conservação da Amazônia. Embora ainda haja muitas experiências a serem documentadas, foram identificados casos diversos e significativos dentro do panorama da governança pesqueira na região. Pela primeira vez, este encontro incorporou uma experiência do estuário amazônico, além de contribuições de comunidades indígenas e associações com mais de 40 anos de trajetória na defesa de seus territórios e recursos, enriquecendo assim a governança pesqueira na Amazônia.

Compromissos assumidos

Representantes do MPA, MMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) reconheceram as demandas apresentadas e se comprometeram a buscar acordos de cooperação técnica, revisar o período de defeso e agilizar respostas para questões urgentes, como a inclusão da pesca em políticas climáticas e o fortalecimento da fiscalização na região. Destacou-se o interesse do MMA em explorar a possibilidade de ampliar as políticas de preços mínimos para outras espécies além do pirarucu, assim como avaliar o desenvolvimento de uma política de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) para a pesca manejada. Por sua vez, o Ministério da Pesca reconheceu as dificuldades no registro de pescadores e manifestou sua intenção de revisar os prazos dos trâmites.

Com a entrega da Carta de Brasília, reforça-se o compromisso de pescadores, comunidades e organizações com a construção de uma governança pesqueira mais justa e sustentável. Esse processo coletivo, baseado no conhecimento e na voz daqueles que vivem da pesca, é um chamado urgente para que autoridades e sociedade reconheçam e apoiem esses modos de vida. Agora, cabe às autoridades transformar essas demandas em políticas concretas que garantam o futuro da pesca na Amazônia.

Diálogo de Saberes Brasilia 2025

© Aliança Águas Amazônicas