Aves unindo continentes

Aves unindo continentes
julho 16, 2020 Gabriela Merizalderubio

Muitas espécies de aves são grandes migradoras. Migram em bandos, cruzando o céu e se detêm em diferentes áreas naturais para se alimentar e descansar. Muitas vezes viajam de norte a sul, seguindo a mudanças das estações.

Como em tantos outros casos de migração de animais, os movimentos das aves demonstram como os ecossistemas estão interconectados. Em escala intercontinental, a integridade dos ambientes e a disponibilidade de alimentos ao longo das rotas migratórias são cruciais para que as aves cheguem a seus destinos.

Uma migração impressionante é a das andorinhas-azuis (Progne subis). Elas viajam desde a América do Norte, onde se reproduzem durante o verão do Hemisfério Norte, até a América do Sul, onde outra vez aproveitam o calor e a abundância de alimento durante o verão do Hemisfério Sul.

As andorinhas-azuis desenvolveram uma relação muito próximas às pessoas, que as adoram. No Hemisfério Norte, há muito tempo elas não utilizam mais cavidades naturais para se reproduzirem, utilizando ao invés pequenas casas de madeira ou cabaças que são colocadas pelas pessoas nos jardins de suas casas.

Essas pequenas aves também chamam a atenção no Sul. Elas estão na América do Sul de julho a abril. Entre os meses de fevereiro e abril, seus bandos param perto de Manaus, no Amazonas, Brasil. Chegam ao rio Negro quando o nível do rio está alto, ocupando a copa de árvores em ilhas que estão cobertas de água. Sua presença, e principalmente seus voos ao entardecer, são impressionantes e mobilizam as pessoas da região. Existem inclusive pequenas iniciativas de turismo relacionadas ao avistamento de aves. No vídeo, acompanhe o voo das andorinhas-azuis em seu dormitório nesta região:

Observando aves

A observação de aves é uma atividade popular em vários países. Muitas pessoas gostam de sair para observar pássaros. Uma prática individual ou de pequenos grupos, pode se vincular à iniciativas globais de observação de aves, como o eBird. Ebird é uma aplicativo do Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell (USA). O projeto é um exemplo de como podemos gerar mais conhecimento por meio da participação cidadã. eBird se propõe reunir pesquisadores, estudantes e cidadãos para gerar dados em escala mundial para essa informação apoiar esforços de conservação em nosso planeta.

No caso das andorinhas-azuis, os dados de eBird mostram a abundância dessas aves em distintos lugares ao longo do ano. Você pode consultar o mapa interativo de abaixo neste link.

Se há dados disponíveis, visualizações são um importante recurso para entender padrões de movimento. O aplicativo eBird reúne dados recolhidos por milhares de observadores. A ampla rede de usuários permite gerar uma maior quantidade de dados para compreender mudanças nas populações de aves ao longo dos anos.

Para acompanhar melhor os padrões de migração das andorinhas-azuis, outras iniciativas fazem seu rastreamento por meio de sistemas de antenas, que as localizam por sinal de rádio que têm um chip transmissor. Andorinhas-azuis que recebem os chips nos Estados Unidos ou Canadá são detectadas quando chegam à região de Manaus, no Brasil. Essas pesquisas fazem parte do Grupo de Trabalho Internacional da Andorinha-azul, que reúne diversas instituições, como o Projeto Andorinha-azulInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Associação pela Conservação das andorinhas-azuis,  Instituto Butantan e a Universidade de Manitoba, no Canadá.

 

As inter-relações com o ambiente

No caso das andorinhas-azuis na Amazônia, a relação que as aves estabelecem com o ambiente pode trazer distintos benefícios. A confluência do rio Negro com o rio Solimões, o Encontro das Águas em Manaus, é uma área de muitos encontros. Por ali passam as andorinhas e também os peixes jaraquis, importantes para a segurança alimentar das populações ribeirinhas.

As andorinhas-azuis, aí nesse contexto, têm uma grande contribuição para o ecossistema – seu impacto não parece evidente, mas está diretamente relacionado com os peixes e os rios. Trezentas mil aves produzem fezes que aportam nutrientes para o rio Negro, cujas águas têm poucos nutrientes em geral. O impacto nos peixes ainda está sendo pesquisado. Esse é o tema da dissertação de Jessica de Oliveira no Inpa, com orientação do professor Mario Cohn-Haft, do Departamento de Biodiversidade. Em pesquisas similares em outros ecossistemas (disponível em inglês), como por exemplo em ambientes de lagos ou encostas marinhas, existe evidência de que a presença das aves e seus excrementos têm efeito positivo para a abundância de invertebrados, plantas e algas, aumentando também a quantidade de nutrientes nos sistemas aquáticos. As investigações que ocorrem atualmente no rio Negro são inéditas para ecossistemas fluviais.

Todas essas iniciativas mostram como as pesquisas participativas que complementam os esforços da ciência tradicional são importantes quando olhamos escalas maiores, como bacias e continentes. Com um trabalho em conjunto, é possível começar a compreender as relações e as migrações que conectam distintos lugares.