Vozes da Amazônia: relatos das e dos pescadores sobre o impacto dos incêndios na Amazônia

Vozes da Amazônia: relatos das e dos pescadores sobre o impacto dos incêndios na Amazônia
setembro 24, 2024 Gabriela Merizalderubio

A Amazônia, o maior sistema de água doce e  floresta tropical mais extensa do mundo, enfrenta uma grave crise ambiental. Desde agosto, a região tem sofrido incêndios florestais devastadores que consumiram milhões de hectares de floresta, acompanhados por secas que não apenas afetam os ecossistemas terrestres, mas também colocam em risco a saúde dos rios, essenciais para a vida selvagem e para as comunidades que dependem deles.

As mudanças climáticas agravam as condições de seca facilitando a expansão do fogo por toda a Amazônia. Pescadores da região levantam suas vozes para denunciar os efeitos que esse fenômeno tem em suas vidas.

Neste artigo, a Aliança Águas Amazônicas compartilha as vozes das pescadoras e pescadores que participam dos Diálogos de Saberes, espaços promovidos pela Aliança com o objetivo de trocar experiências e conhecimentos sobre a gestão pesqueira na Amazônia.

A seguir, depoimentos:

Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Omar Ortuño, pescador boliviano, durante um Diálogo de Conhecimento da Aliança das Águas Amazônicas. © Mariana Moscoso / Aguas Amazónicas

Omar Ortuño, pescador da Bolívia:

A seca afeta a migração dos peixes. Este ano não houve nenhuma arribada de peixes (movimentos em massa em busca de alimentos ou sítios de reprodução) nessa área. Nós, pescadores, paramos de pescar. Além disso, tem feito muito frio, o que é incomum, e há muita fumaça dos incêndios na fronteira com o Brasil”.

Os incêndios e as baixas temperaturas reduzem a atividade pesqueira, e criam condições ambientais extremas que alteram o comportamento dos peixes. Na Bolívia, a combinação de seca e incêndios florestais deixa os pescadores sem seu principal meio de subsistência.

Omar diz que a seca causou incêndios florestais nos departamentos de Santa Cruz e Beni.

A fumaça é espessa e não podemos fazer muito a respeito”, conclui.

Até 7 de setembro, a Bolívia havia perdido 3.872.000 hectares de vegetação em incêndios florestais, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente e da Água. Os incêndios afetam quatro regiões do país: Santa Cruz, Beni, Pando e La Paz.

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Wilver Chuctaya Farfán. © Mariana Moscoso / Aguas Amazónicas

Wilver Chuctaya Farfán, de Madre de Dios, compartilha uma preocupação semelhante:

Se você não tem peixe, imagine aqui no Peru, que também não tem. Isso é muito preocupante. Nossos colegas do Brasil já estavam alertando sobre isso na reunião em Manaus, mas agora estamos nos perguntando: quantos botos morrerão este ano? Alguns pescadores daqui já pararam de pescar”.

O Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia do Peru (SENAMHI) informou que o rio Amazonas está perdendo entre 3 e 5 cm de água diariamente, aproximando-se dos níveis de seca de 2010, os piores da Amazônia peruana, indicando que isso se deve ao fenômeno El Niño, que reduziu as chuvas nas cabeceiras da bacia.

Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Raquel Velásquez. © Mariana Moscoso / Aguas Amazónicas

Raquel Velásquez, do rio Ampiyacu, no Peru, compartilha:

“Sinceramente, estou muito triste e preocupada com nossos rios. O Amazonas nunca esteve tão seco. Aqui o rio Ampiyacu está se tornando um pequeno riacho, quando antes era um grande rio. O que podemos fazer?”

 

Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Fotografia do rio Ampiyacu em setembro de 2024. © Raquel Velásquez

No Brasil, embora as secas sejam típicas durante o verão, este ano a situação alcançou níveis críticos, com incêndios florestais devastando quase 7 milhões de hectares. A seca também facilita atividades ilegais, como a caça ao peixe-boi, e agrava os conflitos entre botos e pescadores, aumentando as mortes de ambas as espécies.

Ayan Fleischmann, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (Brasil) afirma:

“Os rios do sul, como o Purus, o Juruá e o Madeira, estão extremamente secos, vários deles atingiram recordes históricos, assim como o rio Solimões, que em Tabatinga está mais de um metro abaixo do nível histórico registrado. Aqui, no Lago de Tefé, o nível já é semelhante ao do ano passado, com temperaturas que já atingiram 40 graus na semana passada. Pouquíssimas espécies amazônicas conseguem suportar temperaturas acima de 37 graus, quanto mais 40. Essas temperaturas extremas colocam os estoques de peixes em sério risco devido à falta de oxigênio. Essa é uma situação muito preocupante”.

Além dos desafios mencionados acima, a seca impõe problemas de transporte para as populações ribeirinhas, afetando o comércio de pescado. Por exemplo, peixes como o pirarucu são fáceis de capturar, pois estão confinados a pequenos lagos devido à seca. No entanto, o desafio é como transportar essa produção para os centros de compra.

No Equador, um incêndio de grandes proporções em Quilanga (na província de Loja, perto da fronteira com o Peru), afetou mais de 4.000 hectares no final de agosto.

Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Saira Bucheli. © Mariana Moscoso / Aguas Amazónicas

Saira Bucheli, pescadora do Equador, destaca outro fator crítico: a mineração.

“Aqui na Amazônia equatoriana as secas são perceptíveis, mas isso também se deve à mineração legal e ilegal. Eles derrubam árvores de forma impressionante, o que agrava a mudança climática, pois sem árvores não há vida”.

A mineração e o desmatamento alteram os ecossistemas da Bacia Amazônica, intensificando os efeitos das mudanças climáticas. Os rios, que são vitais para as comunidades, estão diminuindo em um ritmo alarmante.

As e os pescadores concordam com o mesmo ponto: a seca e as queimadas estão destruindo a Amazônia e seus rios, que são fundamentais para a subsistência das comunidades que ali vivem.

Frente a essa situação, pescadores e pescadoras expressam sua preocupação e esperam que sejam tomadas medidas para mitigar os efeitos da seca e das queimadas e, assim, conservar a biodiversidade da Amazônia.

A perda de recursos como água e peixes ameaça não apenas a segurança alimentar das comunidades locais, mas também o equilíbrio de um dos ecossistemas mais importantes do planeta.

Se não atuarmos agora, as consequências afetarão não apenas aqueles que dependem diretamente dela, mas também o planeta. Somente com uma cooperação estratégica entre governos, comunidades locais, Povos Indígenas e o setor privado poderemos coordenar ações efetivas para conservar e restaurar esse ecossistema de valor inestimável.

 

Fontes:
https://es.mongabay.com/2024/09/incendios-forestales-personas-fallecidas-peru-millones-de-hectareas-perdidas-bolivia/
https://larepublica.pe/sociedad/2024/09/12/rio-amazonas-en-peligro-por-sequias-como-la-falta-de-lluvias-afecta-y-pone-en-riesgo-a-la-region-554772
https://cnnespanol.cnn.com/2024/09/01/gobierno-ecuador-reporta-incendio-forestal-quilanga-orix
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