Hidrovia Amazônica: Quem ganha e quem paga?

Hidrovia Amazônica: Quem ganha e quem paga?
novembro 15, 2018 AmazCitSci

O projeto Hidrovia Amazônica prevê a criação de uma hidrovia, com a dragagem de 13 passagens e o uso de instrumentos de navegação e controle do nível da água, o que permitirá o trânsito permanente nos quatro rios amazônicos mais importantes do Peru: rio Marañón, Ucayali, Huallaga e Amazonas. Esses rios não somente abastecem o consumo de peixes da maioria da população de Loreto, como também conectam essa região com as principais cidades amazônicas. Analisando os termos atuais do projeto de concessão, identificamos uma série de promessas e contrastamos com a realidade. Essas promessas realmente poderão ser cumpridas? Qual é a diferença entre os beneficiários e quem realmente se beneficia?
Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas
Promessa:
Ao criar uma hidrovia moderna, a frota também se modernizará, fazendo com que o transporte fluvial seja mais eficiente e rápido
Realidade:
A lógica de “se as condições são criadas, todos poderão aproveitar” não se aplica neste caso. Modernizar a frota custa muito dinheiro e não estão previstos mecanismos para permitir que todos possam participar da nova e moderna hidrovia. Comprar barcos novos, melhorar os portos existentes ou criar novos portos, requer muito recurso. O fato é que não foi previsto nenhum incentivo econômico para os armadores modernizarem suas frotas. Isso significa que, quando a hidrovia entre em funcionamento, e assumindo que funcionará como previsto inicialmente, a única maneira de modernizar as frotas será atraindo novos atores corporativos que possuam o capital necessário. Os armadores atuais, na falta de recursos econômicos, terão que investir capital privado para modernizar suas frotas. Além disso a maioria dos portos da Amazônia peruana estão em mal estado de conservação e está prevista a construção de 23 novos portos em um acordo de consulta prévia. Quem se responsabilizará por construir e/ou modernizar esses terminais fluviais? Construtoras locais ou estrangeiras?
Promessa:
Monitorar a dinâmica dos rios amazônicos para garantir o transporte fluvial permanente.
Realidade:
O projeto identificou 13 passagens rasas que devem ser dragadas até atingirem aproximadamente 2,5 metros de profundidade para garantir a navegabilidade durante os 365 dias do ano. A descoberta de somente 13 passagens rasas não faz sentido já que o conhecimento tradicional e estudos científicos recentes sobre a dinâmica dos rios Huallaga e Ucayali indicam que essas passagens são extremamente dinâmicas e mudam de lugar a cada ano em função do fluxo de sedimentos do fundo – essas mudanças podem inclusive ocorrer de um mês a outro. A empresa já começou a fazer avaliações ambientais a respeito dessas passagens e pretende entregar ao SENACE o Estudo de Impactos Ambientais detalhado (EIA-d) em novembro deste ano, porém a conclusão do Estudo de Engenharia (EDI) está prevista para meados de 2019. Como é possível avaliar impactos ambientais se os estudos de engenharia ainda não estão concluídos? Nos estudos de engenharia encontrarão as mesmas 13 passagens rasas identificadas no projeto inicial? Além disso, como estas avaliações de irão indicar a seleção de variáveis ambientais que devem ser estudadas em detalhe?
O projeto também sugere o uso de estações linimétricas para medir o nível da água, porém o fluxo de sedimento do fundo seria a variável mais adequada para monitorar a dinâmica do rio, e essa variável não está incluída nas medições previstas pelo projeto.
Promessa:
Garantir o transporte fluvial permanente.
Realidade:
Sem informação sobre a dinâmica do fluxo de sedimentos não é possível saber se as dragagens serão realmente efetivas para garantir um trânsito permanente. Isso porque as passagens rasas não são estáveis, e podem aparecer e desaparecer muito rapidamente. E mais, uma vez dragadas, as passagens podem ser tapadas por sedimentos e voltar a condição anterior, e todo o trabalho de dragagem e recursos investidos terão sido, tudo isso por falta de conhecimento sobre o fluxo dos sedimentos no fundo do rio. Problemas semelhantes já ocorreram em outros países como nos Estados Unidos, por exemplo, quando o Corpo de Engenheiros Militares (Army Corps of Engineers) fez grandes intervenções no rio Mississipi levando o ecossistema a uma eminente catástrofe hidrológica. Se a infraestrutura construída ceder, a força da correnteza do enorme volume de água inundará vários centros urbanos, o que foi classificado pela revista The Atlantic como uma das maiores catástrofes da história americana. Esse exemplo reforça a necessidade de outros estudos e de análises mais profundas que considerem todas as variáveis relevantes para que a implementação de uma hidrovia a escala prevista no projeto seja viável. O projeto Hidrovia Amazônica estabelece que a dragagem se manterá por 20 anos como parte das obrigações que devem assumidas pela concessionária, mas no exemplo do rio Mississipi a primeira intervenção foi em 1724, e quase 300 anos depois o governo dos Estados Unidos continua gastando recursos para mudar o fluxo do rio. Se o mesmo suceder no Peru, quem irá custear a manutenção da hidrovia? E quem irá receber esses recursos?
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E isso é apenas uma parte das promessas e do que pode vir a suceder. A Hidrovia Amazônica já está causando impactos a cultura Kukama de comunidades que vivem ao longo do rio Marañón, impactos que estão sendo ignorados. Desde o início do projeto, o processo não tem sido transparente com as populações locais. Em 2015, as consultas prévias só foram iniciadas depois da expedição de um mandato judicial, e foram feitas utilizando os termos de referência do EIA ao invés de utilizar o próprio projeto, já que não existia nenhum relatório detalhado de engenharia. A linha do tempo entre esses dois processos, EIA e EDI, se misturaram e os termos de referência do EIA (que começou em outubro de 2017), foram aprovados sem que os detalhes de engenharia para a implementação do projeto, estivessem terminados. Mesmo nessas condições, o contrato de concessão completo foi assinado em setembro de 2017 com o Consórcio Hidrovias II (empresa chino-peruana, Sinohydro Corporation e Construcción y Administración S.A.), mesmo sem os estudos completos da linha temporal e o orçamento, e uma consulta prévia sobre a implementação da hidrovia. Se pensava que o projeto teria mais consideração com a cultura Kukama, que tem seu modo de vida fortemente ligado aos ambientes aquáticos da região. A dragagem dos espaços sagrados para esse povo provoca o desequilíbrio do mundo no qual eles vivem. E ainda não se sabe como o projeto irá tratar essas questões, e como irão medir esses impactos.
A promessa de que a hidrovia amazônica irá melhorar a economia da região não considera o impacto sobre as atividades de pesca. Existe uma falta de conhecimento sobre como funcionam as atividades econômicas relacionadas à pesca e os impactos que a hidrovia pode causar às mais de 40 mil pessoas que se beneficiam desse mercado nos rios Marañon, Uacayalli e Amazonas. Os trechos mais baixos dos rios Uacayalli e Marañon correspondem a 40% das áreas de pesca e 51% da produção pesqueira de Loreto, onde se encontra a Reserva Nacional de Pacaya Samiria. Impactos sobre esses rios podem causar uma diminuição no número de espécies de peixes e na abundância dessas populações, muitas que gostamos de comer, como os bagres migradores. Em uma economia dedicada à pesca, como a de Loreto, a hidrovia amazônica pode causar enormes impactos, que incluem a diminuição da renda e também a segurança alimentar de populações tradicionais loretanas.
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E agora, o que vai acontecer?
Os resultados do EIA-d serão divulgados em novembro de 2018. Até lá devemos pensar o que podemos entender com a divulgação desses estudos, que perguntas podemos fazer e, mais importante, qual Amazônia queremos ter? Queremos que a Amazônia peruana seja somente uma via de ligação com o Pacífico para o mercado brasileiro? Ou queremos garantir que essa ligação também seja uma ferramenta para fortalecer as tradições locais das comunidades tradicionais e conservar a cultura e a espiritualidade da região.
Saiba más:
Conversatorio Lima
Conversatorio Iquitos
Conversatorio Yurimaguas

Escrito por Natalia Piland.