Três métodos para aprender sobre as migrações de peixes na Amazônia

Três métodos para aprender sobre as migrações de peixes na Amazônia
maio 7, 2019 AmazCitSci

O río Amazonas, de sua cabeceira nos Andes até a desembocadura no Atlântico, percorre pelo menos 5.000 quilômetros. Os índios já sabem há séculos sobre as migrações locais dos peixes, e essa informação foi crucial para a sua subsistência. Durante a colonização da região, a sociedade ocidental aprendeu e incorporou esse conhecimento sobre a história natural da área. Já com o surgimento da pesca comercial no final do século XX, aprendemos que algumas espécies de peixes podem migar por toda a extensão do rio. Hoje como as pesquisas continuaram a investigar essas migrações? Um grupo de pesquisa, que incluiu parceiros da iniciativa Águas Amazônicas, está testando diferentes técnicas para mensurar os padrões dessas viagens migratórias dos peixes.
Uma das técnicas que os pesquisadores utilizam para determinar por onde passaram os indivíduos é a microquímica otolítica. Os otólitos são pedras do ouvido, pequenos ossos calcíferos do ouvido dos peixes que crescem acumulando anéis de acordo com o tamanho e a idade do indivíduo, parecido com os anéis de crescimento no tronco de árvores. Isso significa que cada anel contém informações sobre como era o meio do entorno do peixe enquanto ele crescia. Utilizando lasers, cientistas podem medir a relação entre isótopos de estrôncio (-87, -86) em cada anel e relacioná-la com a dos isótopos na água onde o peixe se encontrava em um determinado tamanho ou idade.
Os cientistas usaram essa técnica para rastrear a migração de dois importantes bagres, Brachyplatystoma rousseauxii (Dourada) e Brachyplatystoma platynemum (Babão). E encontraram marcas em otólitos de indivíduos de dourada que indicavam uma viagem de ida e volta de mais de 8.000 quilômetros, levando os peixes para fora da bacia onde foram incubados e de volta para ela desovar (Duponchelle et al, 2016)! Com base nesta informação, se assumiu que todos os bagres tinham rotas de migração semelhantes. Porém, em 2018, pesquisadores publicaram um artigo mostrando migrações muito mais curtas para o Babão (Hauser et al. 2019). Eles também encontraram que construções como barragens claramente atrapalhavam as migrações naturais, pois os peixes capturados antes das barragens no alto rio Madeira tinham marcações de estrôncio que coincidiam com migrações rio abaixo, enquanto que os peixes capturados após as barragens não (Hauser, 2018).
Conservando la Cuenca Amazónica Aguas Amazonicas

Migração da dourada, do video O Dourada Catfish: Um viajante amazônica sem fronteiras

Outra técnica testada pelos pesquisadores consistiu em identificar geneticamente as larvas dos peixes para determinar a sua rota de migração (Garcia-Davila et al., 2015; Mariac et al., 2018). Utilizando redes de plâncton, esses pesquisadores puderam capturar as larvas e rapidamente sequenciar um gene mitocondrial, a subunidade I do citocromo c oxidase (COI). Observando o nível de semelhança entre as sequências de larvas e indivíduos adultos, eles puderam determinar as áreas de desova das espécies. Sabemos que duas espécies importantes comercialmente Brachyplatystoma filamentosum (piraíba) e Pimelodus blochii (mandí), se reproduzem durante a época de cheia, enquanto que espécies como B. rousseauxii e B. platynemum, entre outras, se reproduzem durante a época de seca na Amazônia peruana perto de Iquitos (Garcia Davila et al., 2015). Além do mais, uma nova técnica de codificação “metabarcoding” desenvolvida recentemente permite identificações massivas e quantificações relativas de espécies de peixes em amostras de planctôn (Mariac et al, 2018).
Finalmente pesquisadores estão considerando e reconhecendo formalmente o poderoso conhecimento dos povos da Amazônia para aprenderem mais sobre os locais onde os peixes se encontram nos diferentes estágios de seus ciclos de vida. No Projeto Ciência Cidadã para a Amazônia, o Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell, a WCS, e outras entidades parceiras criaram um aplicativo Android chamado Ictio para que moradores locais possam registrar os peixes que pescam ou encontram nos mercados. Os usuários podem também registrar suas capturas, uma característica importante para pescadores que dependem dos peixes migradores para sua subsistência e segurança alimentar. Além disso, esses dados de colaboração coletiva irão contribuir para responder uma importante questão científica de larga escala: onde estão os peixes migradores na Amazônia ao longo do tempo?
Essas respostas são importantes não somente para os habitantes da Amazônia, que dependem dos peixes e recursos aquáticos, mas também para os cientistas e conservacionistas que querem ajudar a que esses recursos sejam manejados de forma sustentável. Peixe é uma importante fonte de alimento na bacia amazônica, onde em alguns lugares as pessoas consomem quase um quilo por dia. Com mais informação sobre a migração dos peixes podemos tomar decisões mais inteligentes na hora de desenvolver infraestruturas, manejar e conservar os ecossistemas de água doce e seus peixes através das fronteiras políticas.
Trabalhos citados
Barthem et al., 2017. Goliath catfish spawning in the far western Amazon confirmed by the distribution of mature adults, driving larvae and migrating juveniles. Scientific Reports 7:41784. doi: 10.1038/srep41784
Duponchelle et al., 2016. Trans-Amazonian natal homing in giant catfish. Journal of Applied Ecology. doi: 10.1111/1365-2664.12665
Garcia-Davila et al., 2015. Using barcoding of larvae for investigating the breeding seasons of pimelodid catfishes from the Maranon, Napo and Ucayali rivers in the Peruvian Amazon. Applied Ichthyology 31(Suppl. 4): 40-51. doi: 10.1111/jai.12987
Goulding et al., 2018. Ecosystem-based management of Amazon fisheries and wetlands. Fish and Fisheries 1:1-21. doi: 10.1111/faf.12328
Hauser et al., 2019. Shedding light on the migratory powers of Amazonian goliath catfish, Brachyplatystoma platynemum, using otolith 87Sr/86Sr analyses. Aquatic Conserv.: Mar Freshw Ecosyst. 1:1-12. doi: 10.1002/aqc.3046
Mariac, et al.,2018. Metabarcoding by capture using a single COI probe (MCSP) to identify and quantify fish species in ichthyoplankton swarms. PLoS ONE, 13, e0202976.
Escrito por Natalia Piland.